No sistema neozelandês de produção leiteira procura-se eficiência e baixo custo, por meio de estratégias que otimizam a utilização de pastagem e irrigação, as quais, funcionando em harmonia, garantem o crescimento do pasto de forma constante, deixando o produtor menos dependente e vulnerável ao uso de suplementos, que diminuem a margem de lucro da atividade. Em um cenário ideal, o fazendeiro adquire o direito de usar a água dos rios, canais ou lençóis freáticos, por meio da compra de cotas, permitindo irrigar a terra de acordo com a capacidade de oferta do sistema escolhido. Entretanto essa realidade nem sempre é possível de se implementar, pois algumas fazendas estão próximas à áreas de proteção ambiental, têm terreno acidentado ou o sistema está saturado. Não poder contar com oferta de água constante e depender exclusivamente da chuva torna a produção mais arriscada e complexa.
As fazendas utilizam dois índices para planejar e quantificar a produção: estocagem de pastagem e sua utilização no plano de alimentação (2 meses à frente). A primeira ferramenta é o “growth rate” ou “média de crescimento”, que nada mais é do que a quantidade, em quilogramas, de matéria seca por hectare que o pasto cresce em um dia (Kg MS/ha/dia). O outro valor é o APC ou “avarage pasture cover”, que é uma média de quilogramas de matéria seca presente na área total da propriedade (kg MS/ha). Para o leitor ter uma noção da realidade que vivemos, no estado de Canterbury o “growth rate” da fazenda experimental da universidade de Lincoln durante o mês de janeiro foi de 70 KgMS/ha (100% irrigado), ou seja, se a fazenda possui uma área total de 100 hectares, diariamente ela produz 7 toneladas de matéria seca de pasto. Quanto ao APC, não se pode definir uma média ideal, ele depende da lotação animal e do poder de aquisição de suplementação pelo produtor.
Fazendas que buscam produzir somente a pasto e com baixo custo, devem ter uma cobertura de pastagem alta, para garantir que haja grama suficiente para suprir a demanda de consumo do rebanho, havendo assim uma mínima dependência do uso de suplementação. Aqui na fazenda aonde trabalho, localizada literalmente na base de uma montanha, produzimos leite de uma forma que, até para o padrão neozelandês, é considerada sustentável. Primeiramente, utilizamos uma lotação animal de apenas 2,6 vacas por hectare (media do estado 3,4/ha) e não irrigamos a terra, o que nos torna totalmente dependentes da precipitação de chuvas. Devido a sua localização geográfica, a fazenda se beneficia com um microclima peculiar, no qual as chuvas são constantes e confiáveis durante a primavera e outono, com temperaturas médias nos meses de produção de pasto (agosto a maio) de 10°C, ideal se considerarmos a temperatura ótima de 5-18°C para o crescimento do azevém.
Apesar de utilizarmos o clima a nosso favor na maior parte do ano, o verão é extremamente desafiador e demanda um planejamento diferencial e minucioso. Durante o mês de janeiro de 2020, choveu apenas 2,5 mm, ou seja, cada metro quadrado da fazenda recebeu apenas 80 ml de água por dia, praticamente zero se considerarmos que a maioria da água é absorvida pelo solo e não pelas raízes. Sem podermos contar com irrigação, o crescimento diário de matéria seca de pastagem foi de apenas 45 Kg por hectare, apresentando um APC de 1.800 Kg MS/ha. Para o leitor ter uma ideia do contorno da situação e do potencial problema criado, ordenhando 800 animais e produzindo 1,5 Kg de sólidos de leite/vaca, ingerindo em média 17 kg de matéria seca, a demanda diária do rebanho por pasto é 13.600 kg MS (5,4 hectares com cobertura pré pastejo de 2.800Kg MS/ha). Considerando esses dois valoresconcluímos que estávamos entrando em um déficit de estoque de alimento, no qual o crescimento das folhas não acompanharia a demanda de ingestão dos animais.
Falta de alimento deve ser resolvida com planejamento, decisões erradas levam a queda na produção de sólidos de leite, perda de escore corporal do rebanho, secagem antecipada e gastos excessivos na aquisição de suplementação. Para evitar esse cenário indesejado, nas épocas de adversidade os neozelandeses desenvolveram uma técnica de cultivo e utilização de Brassicas, (couve, nabo, beterraba, u raphno) que são escolhidas de acordo com o tamanho da folha, presença ou tamanho dos bulbos, % MS e capacidade de rebrote.
Aqui na fazenda optou-se pelo raphno, o qual é um cruzamento da couve (Brassica oleracea) com o rabanete (Raphanus sativus). Essa nova planta apresenta boa tolerância à seca e ótima persistência, ou seja, pode ser re-pastejada até cinco vezes, se manejada adequadamente. O plano de cultivo inicia-se com a análise de solo para corrigir deficiências de fosfato e nitrogênio. Depois, escolhe-se um piquete retangular, aonde não houve presença de Brassicas nos últimos 5 anos e semeia-se, a 10 mm de profundidade, uma quantidade de 8Kg de semente por hectare, esperando de 50 a 70 dias. O ponto ideal de pastoreio indicado pelos especialistas é quando a planta alcança a altura do joelho, ou seja, quando houver a presença de 5.000 Kg de matéria seca por hectare. Sabendo as medidas da área acessada pelo rebanho, quantidade de matéria seca presente no pré-pastejo, matéria seca residual no pós-pastejo e número de vacas consumindo, é possível calcular a ingestão por animal.
Vamos ao exemplo usado aqui, para 400 vacas acessando 0,5 hectares com cobertura de 5.000 KgMS/ha, deixando um resíduo nos pós pastejo de 1000 Kg MS/ha, calcula-se um consumo de 5 Kg de raphno por animal. Na prática, esperamos que cada animal consuma 5 Kg de pasto logo após a ordenha, prioritariamente ao raphno, garantimos que o a oferta de água nos bebedouros esteja atendendo a demanda de consumo e fornecemos fibra (palha) ad libitum para uma melhor adaptação da microbiota ruminal e fermentação/utilização do alimento.
Existe uma capacidade máxima de ingestão de Brassica pela vaca. O indicado é compor apenas 33% da dieta com raphno, sendo os outros 67% pastagem (cenário ideal), silagem ou/e ração. Para elaborar a dieta, faz-se uma substituição simples, na qual 1 Kg de matéria seca de pasto é extrapolado para 1Kg de MS de raphno.
Mas fica a seguinte questão: qual a real vantagem de substituir o azevém (perene e mais barato) por uma Brassica anual que exige investimento de replantio? A resposta é simples: o raphno no verão pode crescer até 100 Kg de matéria seca por hectare/dia e estocar 5.000 Kg MS, enquanto o azevém cresce apenas 70 Kg MS e 2.900 Kg MS por hectare, ou seja, a nova planta possui um rebrote mais acelerado sob condições adversas (persistência) e maior potencial de estoque de MS por hectare (pre pastejo 2.900 Kg – pos pastejo 1.600 Kg = 1.300 Kg MS disponível), no qual1 hectare de raphno disponibilizaria para consumo 4.000 Kg MS, enquanto com azevém, seriam necessários 3 hectares para obter a mesma quantidade.
Na hora de elaborar a dieta as proporções usadas de pasto, raphno ou ração/silagem dependerão de 4 fatores principais:
Precipitação de chuva e velocidade de rebrote (azevém x raphno);
Raphno compondo no máximo 33% da dieta (fazer transição);
Análise do “growth rate” e do APC (velocidade rebrote x estoque x qualidade);
Curva de lactação e demanda animal.
O verão passou, entramos no outono, e ter utilizado uma Brassica na alimentação de 800 vacas nos permitiu enfrentar a adversidade de forma tranquila, desaceleramos o rotacionamento de piquetes de 21 para 30 dias, fornecendo menor área de pasto por animal, garantindo o rebrote e a qualidade das folhas do azevém para a alimentação de outono. Dessa experiência, concluímos que o raphno é uma ótima ferramenta para ganho de condição corporal, manutenção da curva de produção de sólidos de leite e manutenção do baixo custo do sistema, mesmo em momentos de crise.
Fonte: https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao/raphno-alternativa-para-alimentar-o-gado-durante-estiagem-no-verao-da-nz-218757/
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